6/12/2010

PLANTAS MEDICINAIS

População de São Tomé se trata com plantas e até médicos receitam ervas

Os remédios extraídos da terra há séculos são usados para tratar os males da população do país. No hospital principal, as ervas medicinais são tão importantes quanto os medicamentos industrializados.

Beatriz Thielmann São Tomé, África
São Tomé e Príncipe confirma o convite irresistível de descobrir o que as águas e matas do país ainda têm a revelar. É um país africano, mas com traços muito diferentes das outras nações do mesmo continente.
Apesar de ainda estar na lista dos subdesenvolvidos, saúde é o que não falta no país, para a Organização Mundial de Saúde (OMS).
É possível perceber a pobreza em São Tomé e Príncipe. Mas miséria e fome, não. O mais surpreendente é que, em todo o território de São Tomé e Príncipe, só existem sete farmácias, e a maioria dos medicamentos é de fitoterápicos.

Os remédios extraídos da terra há séculos são usados para tratar os males da população do país. Esse hábito é receitado pelos médicos. No hospital principal, as ervas medicinais são tão importantes quanto os medicamentos industrializados.
Quando as crianças chegam ao hospital, elas já começaram a ser medicadas em casa, com os chás que as mães aprenderam com as avós, com as bisavós. É o que conta o experiente diretor do hospital, José Luis Cruz. E o tratamento caseiro não é interrompido, mesmo que seja necessário dar ao paciente algum remédio industrializado.
“A própria Comissão Mundial de Saúde apoia este evento de modo que possa se integrar a medicina tradicional no Sistema Nacional da Saúde”, explica o diretor do hospital.
José Luis Cruz revela que, apesar de estudado anos na universidade e ter feito mestrado fora do país, aceita esta sabedoria popular. “Há que saber aproveitar as coisas e corrigi-las, melhorá-las, não podemos nos desligar delas”, afirma.
Em São Tomé e Príncipe, os médicos fazem parcerias com aqueles que são chamados no país de ‘médicos tradicionais’, que não têm formação científica. Eles aprenderam com as gerações passadas a lidar com os medicamentos naturais.
Chegar à casa de Amâncio Valentin é encontrar uma rica fonte de saúde. Ao redor da residência, brotam plantas medicinais indicadas para mais de 20 doenças.
Considerado um dos maiores conhecedores de plantas do país, Valentin dá consulta, receita e manipula medicamentos naturais. A matéria prima ele pode colher no quintal, mas faz questão de avisar: “sem médico, eu não consigo fazer nada, porque é o médico que conhece e sabe o aprofundamento da ciência, é o médico que sabe, de fato, qual é a patologia do paciente, é o médico que sabe exatamente quais são as plantas para que eu possa formar uma dosagem para aplicá-la”.
No país, encontramos a maioba, planta indicada para o tratamento da malária e que foi testada pelo próprio diretor do hospital. José Luis Cruz conta que estava com a doença, tomou a raiz de maioba e ficou bom. “Eu estava quimicamente bem. Após uma semana do tratamento, eu pude fazer a pesquisa de controle, e a pesquisa estava negativa”, lembra o clínico geral.

E ele garante: o leite de uma bananeira, igual à que temos no Brasil, é infalível para as mulheres que têm hemorragias durante a menstruação. “Pega essa bananeira, corta, lava-se bem lavada. Pode cortar o pedaço e aproveitar este líquido, dar de beber à pessoa”, aposta Valentin.
O especialista em plantas medicinais passa boa parte do dia fazendo misturas de plantas. No mesmo leite que sai do caule da bananeira, ele acrescenta outra folha, chamada de "folha ponto". A receita é para cicatrizar feridas.
Como é variada a produção da farmácia do Valentin, com cascas, folhas, raízes, seivas. Para algumas doenças podem ser diversos componentes.
O mecânico Simão Riôa vem de Angola, país distante de São Tomé e Príncipe duas horas e meia de avião, só para se tratar com o Valentin. O diagnóstico era de diabete, impotência sexual e excesso de peso. Simão revela que já perdeu 10kg com o remédio do Valentin e que já está praticamente curado.
Pelo jeito, São Tomé e Príncipe guarda um imenso laboratório que ainda está para ser descoberto.
Mesmo fazendo parte da lista dos países subdesenvolvidos, São Tomé e Príncipe não vem despertando a atenção pelos mesmo motivos de outros países pobres, como a desnutrição e doença. Pelo contrário, os hábitos alimentares e os efeitos dos medicamentos colhidos nos quintais das casas daquele pedaço da África se transformaram em pesquisa científica na Europa.
Maria do Céu Madureira é doutora em ciências farmacêuticas em Lisboa. Coordenou várias expedições para São Tomé e Príncipe. Até agora já foram comprovados o poder de cura de 50 espécies de plantas. Os estudos continuam, mas os resultados são animadores, principalmente contra a malária.
“Há uma dúzia excelente de possibilidades de novos compostos antimaláricos que podem sair das florestas de São Tomé e Príncipe”, afirma a especialista.
Mas um hábito da população de São Tomé e Príncipe impressionou a farmacêutica portuguesa: as plantas medicinais estão no almoço e no jantar de cada dia. “É espetacular que é a utilização de plantas medicinais nos alimentos que fazem toda a semana. Isso os protege”, aponta Maria do Céu Madureira.
Maioba, maquêquê, micocó, matabala são verduras, raízes que misturadas com os peixes formam a base da alimentação do país. O historiador João Carlos Silva não se cansa de criar novos pratos com os já conhecidos remédios da terra. Para cozinhá-los, até a panela é nutritiva. Ele utiliza a fruta-pão.
Sem parte do miolo da fruta, a panela começa a receber os ingredientes: caldo de galinha, cebola, alho, pimenta, folha de mosquito. Para aprimorar o sabor do peixe cortado em pedacinhos, ele utiliza dendê. Por último, vem a micocó. Ela é indicada para bronquite, asma, reumatismo e inflamações.
Depois, você tapa a panela com a tampa da fruta-pão, coloca no forno e deixa por 30 ou 35 minutos.
E a polpa da fruta pão é um dos acompanhamentos. Você também pode usar farinha de mandioca e banana frita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário